TEXTOS ANTIVIRAIS (8)

Blogs e Colunas | Luiz Eduardo Costa20/04/2020 23h55 – Atualizado em 20/04/2020 23h57

DO VÍRUS ÀS VIVANDEIRAS

Vivandeiras, tornou-se uma palavra muito em voga entre os militares do exército brasileiro, e que ressurgia com maior frequência ao longo dos embates que se sucediam, motivando os alongados deslocamentos de tropas, a pé e a cavalo. Em 1964, já era um termo em desuso, quase desconhecido tanto nos meios paisanos como nos militares.

No auge das turbulências geradas por ambições que se entrechocavam após o golpe de 1964, Castelo Branco, primeiro presidente do ciclo de generais, ressuscitou o desusado termo, e o empregou numa das suas falas ao país, sempre pontuadas por moderação e responsabilidade. A quem ele nominou com a palavra vivandeiras?

Houve uma certa estranheza em relação àquela palavra incomum, então pronunciada com muita ênfase, pelo chefe da Nação.

Os dicionários logo aclararam uma parte das dúvidas, em relação ao significado da palavra, mas, restaram alguns questionamentos quando a melhor exegese para entender os seus dois sentidos: o político e o gramatical.

O que diziam os dicionários? Vivandeiras; mulheres que seguem tropas em marcha, oferecendo mantimentos e outros produtos; ou vendendo o próprio corpo, prostitutas.

Castelo foi até explícito no sentido político da expressão, não o entendeu logo quem não quis, ou preferiu desconhecer, por comodidade ou medo.

Ele alertava para as “vivandeiras batendo às portas dos quartéis”.

Constrangido, o presidente dirigia o termo evidentemente pejorativo, a um dos chamados “generais civis” da revolução, o jornalista Carlos Lacerda, então governando o estado da Guanabara. (O antigo distrito federal, Rio de Janeiro, após a transferência da capital para Brasília).

Lacerda, além da sua figura carismática, despertava fervor em setores mais radicalizados da área militar. Ele, que fazia um governo transformador e modernizante, sonhava saltar para a presidência em 1965, ano em que deveriam ser realizadas eleições; mas, se mais fácil fosse, escoltado pelas baionetas. Enxergando resistências em Castelo Branco, que antes fora seu eleitor, fazia-lhe, naquele tempo, (quando ainda havia uma tolerada liberdade de expressão no Rio e São Paulo) uma oposição demolidora. Lacerda definiu Castelo: “Anjo da Rua Conde Lage”. Como todos os cariocas bem sabiam, a Conde Lage era zona de meretrício.

“Vivandeiras”, tornou-se uma das palavras mais frequentes no léxico político da época.

E a sua utilização pelo presidente, transformou-a de substantivo em adjetivação da qual todos queriam livrar-se.

A frase desconcertou a chamada “Banda de Música da UDN”, o grupo de ilustres opositores nascido ainda nos tempos do Estado Novo, que não se conformando com derrotas sucessivas nas urnas, acabou aderindo à ideia de uma intervenção militar. Eram ilustres juristas, tais como Afonso Arinos de Melo Franco, Aliomar Baleeiro, Bilac Pinto, Pedro Aleixo, e outros, já preocupados com as investidas de Lacerda, e seus efeitos na chamada “linha dura” das forças armadas, adeptos da solução radical do fechamento total do regime.

A intervenção militar em 64, se fez diante de um quadro internacional complexo, em que mediam forças as duas grandes potências: os Estados Unidos, e seus aliados capitalistas de um lado, do outro a União Soviética (Rússia) comunista, e os seus satélites, países europeus do leste que ocupara durante e após a Segunda Guerra. A China, fazia parte do bloco comunista, tinha poderosas forças armadas mas uma economia frágil, sofria de uma fome crônica que matava milhões de pessoas a cada ano. Sua população na época chegava aos 800 milhões. Criou uma dissidência: a linha maoísta, ou chinesa, se contrapondo à linha de Moscou.

Nos países periféricos, como no caso do Brasil todo o cenário político foi influenciado pelo confronto entre os dois colossos hegemônicos.

A intervenção militar em 1964 se processou num clima em que teoricamente se confrontavam duas alternativas: a deposição do presidente que de forma inconsequente violara a hierarquia militar, sendo ele o chefe supremo das forças armadas, ou a instalação de um regime que poderia aliar-se ao campo comunista, e provocaria sem nenhuma dúvida uma intervenção armada dos Estados Unidos. Havia no país um clima pré-revolucionário, enquanto os religiosos, católicos principalmente, os empresários e proprietários rurais, que, a gente simples que via falar em comunismo e tinha muito medo, sem dúvidas, naquele instante, representavam a maioria da Nação; transformaram-se então, todos, numa multidão de gente assustada e foram de fato bater às portas dos quartéis, e lotar as ruas com manifestações reunindo mais de 100, 200 mil pessoas.

Estamos falando de fatos dos quais já nos distanciam mais de meio século.

O mundo mudou, a aldeia global em que nos transformamos, e agora, comprovando mesmo o “aldeamento”, vai, em conjunto e rapidamente, sendo afetado por uma pandemia, tal como ocorria há mil anos numa perdida aldeia isolada, com o nível de civilização existente na Idade Média.

Desgraçadamente para nós brasileiros, além do vírus que nos alarma, temos de suportar a insanidade que acomete um grupo de desajustados sociais, buzinando como loucos, exibindo bandeiras e dísticos, todos eles uniformes, como se uma só mão os houvesse desenhado, percorrendo ruas das cidades clamando por ditadura. Em Brasília estacionaram arrogantemente e desafiadores na frente do Comando do Exército, talvez na ilusão de que a intervenção militar que pedem, com fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal, e entrega do poder a um régulo, do mesmo tamanho insignificante e obscurantista a que seria reduzido o Brasil, seduzisse os oficiais generais, ou uma parcela qualquer dos militares?

Não somos uma tribo de bárbaros, carentes de consciência, de dignidade humana, ou de discernimento e razão para que nos venham a oferecer a proteção de um soba ou tiranete tendo nas mãos a borduna de um poder absoluto, e por isso mesmo abjeto, para que nos venha “corrigir e disciplinar”. Povos dos mais atrasados na Austrália, escolhem os seus chefes através de um singular método: aos pés dos candidatos enfileirados, vão colocando pedras. Quem tiver mais pedras, é eleito. E, sem dúvidas, eles terão muito cuidado sempre, não colocando pedras aos pés de candidatos, antes de estarem certos de que eles gozam de bom juízo.

POR:LUIS EDUARDO COSTA