Quantas pedaladas da morte são necessárias para um impeachment?

Janaina Pascoal – que se elegeu deputada em razão da fama que ganhou no
impeachment. Aquela que apoiou Bolsonaro e hoje voltou atrás, disse em 2015
que a ex-presidenta Dilma Roussef teria criado um falso superávit estatal e
teria aberto créditos suplementares sem lastreamento para tal (as chamadas
pedaladas fiscais) 1 .

Após o recebimento da denúncia pela Câmara, o Senado Federal declarou o
impedimento da então presidenta Dilma Roussef, abrindo espaço para que
Michel Temer assumisse o poder.

Em uma publicação recente no twitter Janaína Pascoal disse que Dilma
Roussef não caiu por causa das pedaladas fiscais, embora logo diga que foi
por causa da corrupção estrutural do governo (corrupção que em nenhum
momento foi provada contra a ex-presidenta durante o processo de
impeachment ou na lava-jato) 2 . De todo modo, ao fazer essa afirmação a agora
deputada retirou a legitimidade de todo o processo de impeachment, pois
insinuou que não foram pedaladas fiscais que motivaram o processo.

Apenas confirmou o que já sabíamos. O impeachment não foi motivado em sua
essência por crimes de responsabilidade, mas pela intensa crise econômica
que assolou o país e todos os brasileiros, principalmente aquela parcela
populacional que tanto cresceu em boa parte do governo Lula-Dilma. Sobre
essa situação econômica pré-impeachment a autora Laura Carvalho explica de
forma objetiva e clara em sua obra a “A valsa brasileira” 3 .

O dinheiro, ou a falta dele, foi o que motivou todas aqueles protestos em 2015,
desde o dia 15 de março até o dia 13 de dezembro. O desemprego, a queda da
arrecadação dos Estados e Municípios que geraram o atraso e parcelamento
no pagamento de servidores, o fechamento de empresas e a lava-jato, geraram

o impeachment. Em outras palavras, a perda do ganho do capital pela
população e a perda da arrecadação geraram a queda da presidenta Dilma
Roussef. Sem contar, claro, a influência do deputado condenado por
corrupção, Eduardo Cunha, no retardo em levar as pautas de retomada do
crescimento econômico apresentadas pela Dilma Roussef e seu interesse
pessoal em derrubá-la.

E 5 anos depois, como resultado indelével dos acontecimentos de 2015, temos
Jair Messias Bolsonaro como presidente. Em plena crise pandêmica, com
previsão de recessão do PIB sem precedentes, 787 mil contaminados e 40 mil
mortes, o presidente inicia suas pedaladas da morte 4 .

Nos últimos dias o Ministério da Saúde – que já está sem ministro da saúde há
quase 1 mês, começou a ‘pedalar’ as informações do covid-19. Deixou de
divulgar os resultados totais – não foi a primeira vez, e divulgou dados
contraditórios, voltando várias vezes e mudando as informações 5 . Tudo isso
chancelado, senão diretamente determinado, pelo presidente da república.

E essas pedaladas, não configuram crime de responsabilidade? Ou as
pedaladas que envolvem o dinheiro, o capital, importam mais do que as
pedaladas que envolvem as mortes de pessoas?

E não são só pedaladas. As ideologias, as determinações e os atos do
presidente trazem ainda mais mortes e prejuízo para a população. Ideologias
ao defender o uso de remédios comprovadamente não eficazes e fazer
discursos diminuindo os efeitos nocivos da doença. Determinações ao po
reestabelecimento de cultos religiosos e atividades não essenciais e,
principalmente, atos. Os atos são os mais perigosos.

Quando no curso de preparação para oficiais da reserva do exército brasileiro
lembro que o major dizia com frequência a frase: a palavra convence, mas o
exemplo arrasta. E é isso, negativamente, que o presidente está fazendo com
aquela parcela que ainda acredita nele, cerca de 31% segundo as últimas
pesquisas. Parcela ainda representativa da população quando se fala no sars-
cov-2 e sua alta taxa de contágio.

Ao sair sem uma simples máscara, ignorar a pandemia, ignorar autoridades
sanitárias internacionais e estimular a quebra do isolamento, o presidente dá
mordido exemplo para todas estas pessoas que conscientemente ou não ainda
acreditam nele. Não só faz pedaladas com a estatística do covid-19, como
também passa a estimular o contágio e, portanto, mais mortes.

Segundo o presidente da câmara dos deputados, Rodrigo Maia, não é o
momento para o impeachment. Para ele deve haver “união para combater o
coronavírus”, mostrando que ou ele vive em um mundo paralelo e não vê que
diante dos atos do presidente a união é a última coisa que teremos contra a
pandemia neste momento, ou tem muito a temer na hipótese de dar andamento
aos pedidos de impeachment contra o presidente.

De nota de repúdio a mais mortes, inevitavelmente voltamos ao
questionamento: por que até agora não foi aceito ou dado seguimento ao
impeachment contra o presidente da república com foi feito há 5 anos atrás? A
resposta é simples, o dinheiro continua valendo muito mais que a vida.

LUIS MARCELO é especialista em direito público, foi militar, delegado de polícia e
advogado.

Atualmente é defensor público no Estado do Pará e colunista do
juspolitica.com.br.